Antes de priorizar qualquer coisa, responda: qual alavanca estamos puxando?
Como líderes de Produto e Tech podem priorizar com base no que realmente move o negócio.
Não importa quantas iniciativas estejam em execução ou quantas squads estejam ocupadas: se o que está sendo feito não estiver conectado com a direção estratégica do negócio, você só está girando uma engrenagem que não leva a lugar algum. Pior: pode estar girando na direção errada.
Como GPM, já me vi nesse cenário mais de uma vez. OKRs definidos e sprints fluindo. Mas os resultados não conversavam com o crescimento do negócio. Stakeholders questionando, tech sentindo frustração, e eu me perguntando: estamos mesmo apostando nas direções certas?
Essa sensação de desconexão vem, muitas vezes, de um dilema mal resolvido entre estratégia e execução. Como se uma coisa tivesse que vir antes da outra, ou fossem responsabilidade de departamentos distintos. No fim, o que temos são times operando no vácuo, entregando com consistência o que talvez nunca devesse ter sido priorizado.
Quando produto e negócio não falam a mesma língua
Produto virou sinônimo de squad ágil, discovery, roadmap. Mas ainda vejo uma desconexão entre o que entregamos e o que o negócio realmente precisa.
A principal dor? Estratégia de produto e estratégia de negócio andando em trilhas paralelas, sem se encontrar.
Isso se traduz em três padrões:
- Produto reativo
Equipe atuando como "tirador de pedidos", operando em silos, resolvendo bugs e entregando funcionalidades sem um racional estratégico por trás. As demandas chegam de todos os lados (comercial, suporte, diretoria) e são priorizadas com base em urgência, não impacto. O time entra em “war mode” constante, sempre reagindo, nunca propondo. Ninguém sabe exatamente por que está construindo algo, apenas que “precisa sair logo”.
- Estratégias desalinhadas entre Produto e Negócio
Mesmo quando existe uma estratégia de produto estruturada, ela frequentemente não conversa com a estratégia do negócio. O que produto entrega não é o que o negócio precisa e vem a crença que produto “não traz resultado”. Foco em métricas de vaidade (usuários ativos, visitas, curtidas), mas ignoram impacto real em receita, custo ou experiência.
- Tech ausente das decisões críticas
Pode acontecer tanto por tech não está convidado para a mesa de decisão ou não está engajado com o negócio. Sem a contribuição de tech, o negócio promete soluções caras, lentas ou inviáveis.
Esse distanciamento gera frustração nas duas pontas: o negócio não entende por que as coisas demoram, e tech sente que só é acionado para apagar incêndio. O custo real disso? Retrabalho, desperdício de recursos e timelines que estouram antes mesmo do primeiro commit.
Essas dores não são sobre ferramentas ou metodologias. Elas são sintomas de uma ausência maior: falta de conexão entre quem define a direção e quem entrega a realidade. E resolver isso exige uma mudança profunda na forma como líderes de produto e tech se posicionam dentro da organização.
Como chegar no cenário ideal: Produto e Tech como alavancas de decisão, não de execução
A virada começa com uma mudança de mentalidade: produto e tech não são funções operacionais, são instrumentos de direcionamento estratégico. Se não estamos atuando diretamente sobre as alavancas que movem receita, margem ou eficiência, estamos só empilhando entregas.
No cenário ideal, o papel de produto e tech é claro e ativo desde o início da formulação estratégica. O time não só entende os objetivos do negócio, mas participa das decisões, traduz dados em teses e transforma prioridades de alto nível em apostas tangíveis de produto.
Para operar assim, três fundamentos precisam estar claros na cabeça de qualquer liderança de produto ou tech:
1. Entender o modelo de negócio
O ponto de partida é básico e frequentemente negligenciado: qual é o modelo de negócio da empresa?
Estamos falando de SaaS, marketplace, e-commerce, white label, ad-based? Cada um tem suas métricas críticas, suas vulnerabilidades operacionais e sua lógica de crescimento. Um time que não entende isso corre o risco de priorizar uma feature de ativação num momento em que o foco deveria ser na retenção. Ou gastar energia otimizando uma tela que não tem relação com a conversão principal do funil.
Compreender o modelo é o primeiro filtro para decisões relevantes.
2. Entender o caminho do dinheiro no produto
Depois de entender o modelo, é preciso seguir o dinheiro.
Isso significa conhecer profundamente como o produto gera valor econômico: como o dinheiro entra, onde ele se acumula, por onde ele escapa. CAC, LTV, ARPU, churn, margem, expansão. Não são termos de business: são o que produto deveria estar impactando diretamente.
É comum ver produtos que têm alta adoção, mas baixa conversão. Ou funcionalidades muito usadas, mas que geram custo sem retorno. Times que não enxergam esse mapa operam no escuro.
3. Entender a alavanca estratégica atual
Toda empresa, mesmo que não declare abertamente, tem uma tese de crescimento para o ciclo em curso. Às vezes é aumentar margem. Outras, expandir ARPU. Pode ser atacar churn, crescer base, melhorar payback.
Essa tese está nos OKRs, nos decks do board, nos cortes de budget e nos reforços de investimento. Ignorar isso é priorizar o roadmap sem bússola.
Para facilitar essa leitura, vale usar um framework claro que ajuda a mapear os caminhos de crescimento disponíveis para o negócio:
Esse tipo de estrutura ajuda não só a identificar a direção macro, mas também a fazer as perguntas certas. Estamos investindo em novos produtos? Explorando novas geografias? Tentando monetizar melhor a base existente? Entender isso muda completamente o tipo de aposta que produto e tech devem fazer.
Esses três pilares (entender o modelo de negócio, o caminho do dinheiro e a alavanca estratégica do momento) são o mínimo para qualquer liderança de Produto ou Tech que queira priorizar com intenção.
Sem isso, a gente até pode entregar bem, mas corre o risco de gastar energia demais em coisa que não mexe o ponteiro. E aí o time se frustra, o negócio não vê valor, e produto vira só mais uma engrenagem operacional.
Quando esse entendimento se solidifica, tudo muda. As conversas com o negócio ganham outra qualidade, tech se engaja de verdade, e o time começa a tomar decisões que têm peso, porque entende o porquê por trás de cada entrega. Isso, pra mim, é o começo de um produto realmente estratégico.
Contexto compartilhado é o que sustenta execução inteligente
Não adianta ter clareza se ela não é compartilhada. Times desmotivados, tech desengajado, e stakeholders frustrados com a “lentidão” de produto quase sempre são sintomas de uma comunicação ineficaz.
O foco é melhorar a comunicação:
Traduza estratégia em hipóteses. Produto estratégico não entrega roadmap, entrega tese.
Compartilhe contexto. As pessoas trabalham melhor quando sabem por que estão fazendo algo.
Traga tech para a mesa. Incluir liderança técnica na construção da estratégia reduz o ruído na execução e aumenta a viabilidade das apostas.
Use a narrativa como alavanca. Mostre como cada entrega está conectada àquilo que mais importa para o negócio.
Intenção antes de execução. Sempre.
A real é que nenhuma squad, por mais eficiente que seja, consegue gerar impacto se está resolvendo problemas desconectados da tese central do negócio. Times excelentes, com bons processos, ainda assim entregam o que não importa se não têm contexto.
Produto e tech precisam sair do modo de entrega e entrar no modo de orientação. Isso exige mais do que operação bem feita, exige leitura de cenário, posicionamento estratégico e um compromisso real com as decisões que vão mover o negócio.
E isso não é sobre dominar frameworks da moda. É sobre fazer o básico e fazer com profundidade. É entender onde o dinheiro entra, onde escapa, e qual alavanca precisa ser puxada agora. O resto, com um time bom, a gente resolve.